“Só fica o que não presta”. Pronunciou-se preconceituosamente ou xenofobicamente o deputado federal Stélio Dener que usa como rótulo do exercício do mandato concedido pelo povo roraimense, bem como alguns venezuelanos que já votaram pelas terras de Pindorama, a alcunha de Defensor Público. A defensoria pública existe para cuidar, representar, proteger e promover a vida dos desassistidos, oprimidos, explorados, enfim de todos aqueles que se encontram em vulnerabilidade social.
Mas, para o dito representante do reacionarismo do partido Republicano nas terras de Macunai’mî ficam apenas venezuelanos que não prestam. A fala é adornada pelo chamado, no púlpito da proliferação do ódio protagonizado pelo centrão, para que as pessoas vejam os vídeos dos vereadores de Boa Vista, aqueles parasitas que aumentaram suas verbas de gabinete e afirmaram na rodoviária internacional que os imigrantes são criminosos e drogados.
A estratégia eleitoral, um ano antes do pleito, parece seguir o mesmo caminho das eleições de 2020. A imigração será mais uma vez apresentada como o principal problema enfrentado pela nossa cidade das desigualdades. Isso mesmo, somos uma cidade de desiguais. Os mais ricos possuem o direito de se locomover, os mais pobres há anos passam horas esperando ônibus que nunca possuem hora para passar. Tenho plena certeza que a culpa não é da imigração, mas do monopólio privado que rende muita grana, para muita gente, sob o silêncio dos Edis.
O caos da atenção primária, a falta de vaga nas escolas e a violência já nos afetavam, como cidadãos e cidadãs, antes do pico da imigração, iniciada em 2017, após as ordens executivas de Trump que paralisaram a já combalida economia venezuelana. Mas, aos promotores do ódio, sua incapacidade de gerir políticas públicas não pode ser esclarecidas. Portanto, o imigrante é o culpado. Aquele que decidiu fugir em busca de uma melhor qualidade de vida, como muitos brasileiros fazem rumo ao norte, é o culpado. Esse discurso xenofóbico é a pura expressão do neofascismo que cresce no mundo.
O ódio como prática política é fruto direto da vontade de oprimir. Essa perspectiva amplia-se muito, quando dignitários “representantes do povo” a frente de uma câmera afirmam que os imigrantes são criminosos. Essa senha protagoniza cenas de horrores, autorizando populares inebriados pelo ódio do Estado a promover verdadeiras limpezas étnicas, como vimos em muitas nações, vemos hoje nos ataques de Israel a Gaza. mas, também vivenciamos entre 2019 e 2020 em vários municípios de Roraima, a exemplo de Mucajaí e Pacaraima. A turba resolveu punir os “delinquentes”, “drogados” e “criminosos” que migraram para Roraima e são seres não humanos a parcelas dos políticos.
A inércia da justiça contra os brutalizados espancadores e destruidores das poucas posses dos imigrantes e provocadores verbais detentores de mandatos consuma a continuidade do crime. Infelizmente, vivemos em um estado que se autoproclama bolsonarista, cultuador de uma suposta fé cristã que enaltece o ódio ao indígena, ao imigrante, a comunidade lGBTQIA+, as mulheres. Enfim, todas as minorias políticas são diretamente afetadas, os super fragilizados sofrem mais, entre estes os imigrantes se encontram na ponta da lança.
A situação não é fácil. Com o fechamento da fronteira sul nos EUA, nos tornamos a principal rota migratória da América Central, somamos a vinda dos venezuelanos, haitianos e dos garimpeiros de vários cantos do país, criamos um caos. Sim. Um caos administrativo para uma cidade e um estado que cresce de forma abrupta, sem planejamento. Temos um problema sim. Porém, sua solução não consiste na criminalização de quem se encontra em vulnerabilidade social. A atuação de parcela dos políticos roraimense é revoltante, pois enaltecem a segregação.
Algumas questões são necessárias para serem analisadas. Em primeiro lugar temos que observar o erro do governo federal. A operação acolhida da forma como foi organizada foi errada. Infelizmente, o atual governo manteve o modelo, pautado equivocadamente numa hierarquia militar, sem a promoção da vida e do cuidado. A inércia do atual mandato deve ser observada a partir da mudança estratégica da operação ocorrida no primeiro semestre de 2022, com o fechamento de vários abrigos e a política de desintrusão das ocupações espontâneas. Isso, promoveu a rua como destino das pessoas.
A cobrança dos parlamentares roraimenses ao governo federal é correta. Precisamos organizar uma política de cuidados. Podemos começar com coisas simples e humanitárias. A exemplo de tendas para evitar que crianças e idosos tenham que ficar na fila, sob o sol, nas imediações da rodoviária internacional para receber refeição às 12h. Ou mesmo, a destinação de sanitários públicos para serem usados.
Uma outra medida efetiva poderia ser a remuneração dos terrenos ocupados espontaneamente pelos imigrantes que trabalham para sustentar suas famílias, muitas vezes não podem ter horário de entrar em um abrigo. Debater a questão imigratória, exige também pontos concretos de alto nível de diálogo, a exemplo do recebimento dos recursos investidos pelo Estado e que devem ser ressarcido pelo governo federal.
Agora, cobrar os procedimentos do HGR é má fé. Pois, a remuneração naquele estabelecimento é feita por procedimento realizado, ou seja, a ampliação de atendimento, significa a entrada de mais dinheiro. O mesmo ocorre com a maternidade e o hospital da criança.
Porém, a atenção primária e secundária precisa de um financiamento diferenciado, pois seus repasses são per capita, ou seja, valores anuais, por habitantes. Aqui, tivemos gastos, os quais precisam ser ressarcidos. A exemplo dos gastos em educação e nas políticas de saneamento - lembremos que a falta de água já era uma realidade nos bairros mais afastados da zona central e burguesa da cidade. Isso tudo exige sim mais recursos. Agora, qual o plano apresentado para investimentos. Não existe. Portanto, não há dinheiro extra.
Precisamos como sociedade repudiar a retomada dos discursos de ódio que campeiam nas redes sociais, principalmente por nossos parlamentares. Bradam violentos suas heresias como formas de aglutinação de bases eleitorais que amorfas em sua alienação social e econômica veem no imigrante seu inimigo, quando na realidade os “senhores de engenho” dançam sobre a carne mais barata do mercado, a carne negra e indígena dos imigrantes venezuelanos e de brasileiros. Os inimigos da classe trabalhadora, imigrante ou não, encontram-se dentro de nossos parlamentos municipais e estaduais, além de gerir as políticas públicas locais, baseadas em privilégios para amigos e parentes.
A sociedade roraimense não pode permitir o direcionamento mais uma vez da xenofobia como prática eleitoral, deixando de debater questões essenciais as nossas vidas, como educação, saúde, emprego, cultura, esporte e qualidade de vida. Transformar a imigração em tema central nas eleições importa apenas a horda de canalhas que usam as estruturas do município e do estado para se locupletar com os privilégios que ditam a enorme exclusão social em que vivemos, onde parcelas enormes de nossos jovens e adultos se submetem a trabalhos desumanos em garimpos ilegais que matam yanomamis para tentar sobreviver a ausência de seriedade na administração pública local, depois a culpa é do imigrante.pqqqqq
Caixa
A indicação de Arthur Lira à presidência da Caixa Econômica Federal demonstra como o governo Lula e sua política de conciliação errou na condução política. Lira sai de investigado no escândalo de desvio de recursos da educação, para ser um dos nomes do bolsonarismo mais importantes da ‘Res’ pública que cada vez mais torna-se de interesse privado. O filho de Lira é sócio da empresa Omnia 360 que presta serviços de publicidade para o banco público. Enfim, papai nesta turba plutocrata quer cuidar bem dos negócios do filho. A exemplo de Denarium que com a construção da nova sede do TCE, por meio do empréstimo milionário proposto, quer cuidar do local de trabalho de sua esposa. Esse é o Brasil de uma elite podre que utiliza da fome da classe trabalhadora para sortir cada vez mais seus ganhos pessoais.
Última Fronteira
O Brasil foi idealizado dentro do sistema internacional do trabalho como fornecedor de gêneros alimentícios e insumos minerais. A condescendência do capitalismo permitiu que políticas de substituição de importações fossem idealizadas, desde que o Estado não taxe a remessa de lucros para o exterior, algo cumprido até hoje, por nossa nação. Apesar das empresas nacionais pagarem impostos sobre a remessa de lucro para Pindorama.
Neste contexto, a produção de soja torna-se um dos principais expoentes do que se denomina de desertos verdes que se estruturam por monoculturas e a apropriação privada de milhões de hectares de terra, ampliando sua concentração e consequentemente a pobreza. Entre os anos de 2007 e 2021 a área de produção de soja aumentou em 56% no país. Na Amazônia esse aumento foi de 84%. No ano de 2022, 32% da soja comercializada pelo país tinha como origem a Amazônia legal.
Roraima é um destes estados que apresentam um grande crescimento. Dez anos atrás tínhamos 10 mil hectares destinados à soja, em 2021, essa área era de 75 mil hectares, um aumento de 650%. Sendo que 55 mil hectares foram abertos à produção nestes últimos 4 anos. O governo do estado anunciou que neste ano a área destinada às culturas de soja, milho e feijão chegará a 180 mil hectares. O principal incentivador disso é o preço da terra e a Lei 215/1998 que concede isenção de todos os impostos e taxas estaduais. Investimento subsidiado e ausência de tributos ampliam lucro e a concentração de renda.
No entanto, esse modelo possui suas consequências sociais e econômicas. Economicamente o modelo agroexportador é concentrador de renda e promotor de pobreza. A riqueza gerada pela produção não é socializada internamente, seja pela baixa geração de empregos ou pela precarização das relações de trabalho. Os problemas sociais se estabelecem na área ambiental, com o aumento da devastação de florestas - as quais serão ampliadas com o novo ZEE que autoriza o desmatamento de 16 mil km² de floresta - e das águas em virtude das altas cargas de agrotóxicos que contaminam mananciais. Outra área impactada são os conflitos agrários que já começam a ser uma realidade em Roraima, hoje não temos mais terras para políticas de assentamentos e democratização de acesso à terra.
Parlamento Jovem
Os deputados estaduais de Roraima devem ter tido urticárias com algumas proposições de bom alvitre. Um grupo de estudantes apresentou um projeto de lei para extinção das escolas militarizadas. Esse é um debate silenciado pela gestão estadual que adota uma perspectiva do senso comum de que as condições de trabalho melhoraram nos estabelecimentos de ensino. Ocorre que a proposta dos discentes demonstra que parcela dos estudantes não observam a cultura da doutrinação como um processo efetivo de construção do conhecimento. O apontamento deve ser observado como um grito de socorro a esse modelo neofascista de formatação de um exército de bons recebedores de ordens, não de cidadãos e cidadãs. Parabéns aos propositores da matéria.
Bom dia com alegria.
Fábio Almeida
fabiaolameida.rr@gmail.com
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