O congresso nacional propõe reescrevinhar a constituição da república sob um viés teocrático e liberal, lógico que nesta quadra ideológica - temerária - não coaduna uma expressão pujante no congresso, no entanto consolida uma aliança entre a extrema direita, a bancada da bíblia, da bala e do boi, além de frações da direita liberal e de mandatários ligados ao social liberalismo.
Primeiro é fundamental reconhecer que a constituição já foi amplamente desconfigurada ao longo destes quase 35 anos de existência. Reformulou-se eixos centrais no tocante a garantia de direitos individuais, enquanto outras propostas ampliam a capacidade de expropriação da riqueza do povo, pelos grandes bancos e especuladores financeiros, a exemplo do depósito compulsório do saldo diário dos bancos, procedimento que transfere bilhões dos impostos para os banqueiros.
Desde o ano de 2017 - logo após o golpe na ex-presidente Dilma - seguindo o texto liberal, Ponte para o Futuro, começou o processo de mudanças nas garantias sociais. Um dos principais riscos que enfrentamos consiste na retirada da obrigatoriedade de investimentos de recursos públicos na educação e saúde. É perigoso em um país que estabelece teto de gastos para despesas primárias e não estabelece limites às despesas financeiras, adotar a desvinculação de recursos para essas áreas estratégicas ao combate às desigualdades.
A ampla aliança estabelecida entre o social liberalismo do PT, com outros estratos da burguesia nacional, impõe a gestão do governo federal determinada adesão ao tema, já assumido publicamente pelos representantes do ministério do planejamento e orçamento. Retirar recursos obrigatórios de investimentos em educação e saúde é relegar as pessoas mais pobres a ausência de acesso aos serviços, ampliaremos as iniquidades. A proposta caiu como adequada aos liberais que sonham em abocanhar esses recursos federais, hoje da ordem de R$250 bilhões, para atender seus interesses de aquisição de kits de robótica, com valor 10 vezes acima do praticado no mercado.
Hoje, apesar da inquidade de acesso aos serviços de saúde, a obrigatoriedade de investimentos possibilita à população direito ao cuidado, o qual eram inexistentes especialmente nas áreas rurais, antes da constituição de 1988. Suprimir da constituição da república os investimentos obrigatórios em saúde e educação é impor a classe trabalhadora e seus filhos piores condições de vida. Devemos contrapor esse novo ataque que o liberalismo pretende impor ao orçamento público, a exemplo do que foi feito com os direitos previdenciários em 2018 e trabalhistas em 2017.
Porém, os ataques em negociações nos escuros corredores do planalto central potencializam uma aliança entre fundamentalistas religiosos e liberais que permite amúltiplos apoios em temas de seus interesses. É, por isso, o crescimento de temas dogmáticos que contrapõe o princípio básico de que todos são iguais perante a Lei, o ataque a essa cláusula pétrea possui dois motivos centrais. O primeiro consiste em tentar impor uma reescrição da constituição sobre viés religioso - afrontando o estado laico - o outro consiste em manter uma base eleitoral mobilizada, rumo às eleições de 2024.
A proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo consiste em um retrocesso civilizatório a nossa sociedade. O STF reconheceu em 2011 o direito ao casamento civil, após 12 anos de reconhecimento, representantes do fundamentalismo religioso desarquivaram um projeto de lei de 2007 que tentava regulamentar o casamento homoafetivo, apresentando um texto que veda o reconhecimento civil destas relações humanas. O projeto de lei 5167/2009 defendido pelo relator pastor Eurico (PL/PE) veda além do reconhecimento do casamento a entidade familiar entre pessoas do mesmo sexo.
Outras medidas a exemplo desta afrontam direitos de brasileiros e brasileiras tendo como premissa consolidadora fundamentos religiosos. Os constituintes claramente estabeleceram a prática religiosa como um direito pétreo, no entanto, também, registraram como um direito inalienável do povo brasileiro sua laicidade na estruturação do Estado.
Pensar uma organização estatal plural é fundamental a consolidação da paz como ferramenta de convivência política. A medida que dogmas de determinada religião começam a tentar sobressair e expressar-se por meio da Lei, caminhamos para uma sociedade conflituosa, a exemplo do que vemos em outras nações, como Israel e Afeganistão, que adotam princípios teocráticos na fundamentação da organização do Estado. É isso que queremos para nosso país?
Lembro, aos pentecostalistas que, apenas na constituição de 1947 ganhamos a menção constitucional da liberdade religiosa, muitas eram as igrejas atacadas por uma concepção exclusivista de determinada religião poder impor suas doutrinas ou dogmas. Hoje, parte deste pentecostalismo e neopentecostalismo reproduzem um processo de reestruturação social sobre suas interpretações bíblicas, as quais querem impor ao coletivo diverso da sociedade, percepções sociológicas de sua forma de interpretar o mundo e conceber as relações sociais. Essa premissa fundamentalista nos levará ao derramamento de sangue, a partir de disputas religiosas, algo muito ruim para nosso convívio humano.
Por isso, precisamos como sociedade estabelecer que o direito de representar a sociedade é estendido a todos em plenos direitos políticos, no entanto a premissa da laicidade do Estado é um ordenamento estruturante. Esse debate enfrentamos no século passado, superando-o da forma mais inteligente possível, ao permitir que as diversas denominações religiosas possam praticar e defender seus dogmas junto aos seus fiéis, no entanto, o Estado, promove a consolidação de políticas públicas que concebem o reconhecimento de todos brasileiros e brasileiras, desconsiderando os dogmas fundantes das leituras religiosas sobre o ordenamento social.
CPI DO MST
O deputado federal Ricardo Sales (PL/SP) apresentou, na última quinta-feira seu relatório da CPI do MST. O dumento consiste em mais uma peça de péssima qualidade do panfletarismo da extrema direita brasileira. Ausência de provas na sustentação das acusações e indiciamentos propostos são a base das conclusões promovidas pelo incompetente deputado federal - quando ministro de bolsonaro queria passar a boiada de desregulamentação da legislação ambiental, enquanto nosso povo morria de Covid19.
As ilações - prática política do grupo originário deste infâme misógino - sustentam as relações textuais produzidas no relatório, as quais em boa parte tentam relacionar parlamentares sociais liberais, sociais democratas ou de esquerda com o "crime político" de manterem relações com os movimentos de luta pela terra, especialmente o FNL e MST. O relatório de tão distópico da objetividade do instrumento da CPI, em um momento cita o MTST como uma das organizações fruto das investigações.
No entanto, duas questões centrais precisam ser negociadas com as lideranças políticas dos partidos. Primeiro consiste na equiparação dos movimentos de luta pela terra às facções criminosas, a exemplo do PCC e CV, essa afirmação precisa sair do relatório por meio de um acordo político dos partidos. Não é admissível que a incompetência de um Deputado que não conseguiu produzir nada de provas - até por que não existiam provas a serem investigadas, por inexistir escopo de investigação proposto no plano de trabalho - e a CPI ter sido idealizada, apenas para contrapor a CPI dos ataques de 08/01/2023.
O outro ponto que necessita ser retirado deste relatório é enquadrar o programa nacional de educação da reforma agrária (PRONERA) a uma estrutura de formação político ideológica de esquerda. Esse ataque a um dos principais programas de acesso à educação de jovens do campo , demonstra o recorte de classe adotado por este deputado. É fundamental que essa menção ao PRONERA, seja retirada do relatório.
Quanto às acusações sem fundamentos podem seguir ao arquivamento, a exemplo do que ocorreu nas 4 CPI’s anteriores patrocinadas por grandes produtores contra os movimentos de luta pela terra. Poderia agora termos a implantação de uma CPI para investigar a grilagem de terra no Brasil e suas relações com o poder público federal e estadual.
Veja, no pontal do paranapanema, o governo de SP criou um programa de destinação de terra para grandes e médios produtores, no entanto deixou sem política alguma sem-terras que se encontram na área há mais de 10 anos. Essa é a realidade da disputa pela terra no Brasil Sales, o estado sempre esteve ao lado de grandes produtores, relegando a grande maioria do povo a imposição de viverem em casas feitas de lonas, chão batido e sem saneamento, enquanto bancos lucram trilhões de reais neste país, sustentando seus latifúndios improdutivos, por meio de leis que destinam incentivos nacionais e locais, a exemplo da Lei 215/1998 de Roraima.
RACHA
Desde a aprovação da cassação de Denaium afirmo que a base do governo rancharia e o governador teria que se posicionar politicamente para tentar manter seu cargo e os direitos políticos para almejar ser senador da república em 2026. O primeiro a sofrer com o racha foi o endinheirado Deputado Sampaio, deixou de ser nome de consenso na disputa da Prefeitura de Boa Vista, inclusive do seu próprio partido o Republicano que receia com a cassação de Denarium e assunção de Sampaio, a impossibilidade de um dis chefes da gafanhotagem disputar o governo - sonho do pequeno malversador de recursos públicos.
Uma foto recente publicada no instagram do governador dos ricos, Denarium, demonstra o nível de submissão política que se submete devido à sua cassação. Denarium é conhecido pela sua arrogância. No entanto, Mecias de Jesus (Republicanos/RR) obrigou o governador a tirar uma foto em posição de adoração e submissão ao chefe que se encontrava sentado, enquanto os bajuladores circundam “o majestoso” em pé, inclusive o governador. Em outros momentos o ego de Denarium não permitiria de forma alguma essa foto, inclusive com a mão no ombro do senador, o qual deve se apresentar como salvador do mandato, enquanto prepara uma possível candidatura, a qual perpassa hoje pelo afastamento de Sampaio da presidência da ca$a legi$lativa, algo não tão difícil assim, porém perigoso devido ao risco de implosão que pode Sampaio causar ao sistema.
Esse racha começa também a repercutir nas disputas municipais. Em 2020, ano da pandemia e de eleições, Denarium conseguiu unificar sua base e potencializar vitórias importantes que serviram aos esquemas estruturados para sua reeleição, conforme demonstra o MPE na aceitação das denúncias que recheiam o TRE, pedindo a cassação do diploma devido o abuso de poder econômico nas eleições de 2022. Nestas eleições a base começa a dilacerar a unidade e potencializar os rachas internos que podem significar o reavivamento de outra oligarquia em Roraima, a de Neudo Campos, que se encontra fragilizada devido a larga relação com denúncias e condenações de gafanhotagem e corrupção.
PL 2903/2023
Originalmente vinculado ao PL 490/2007, o texto da legislação proposta tinha como objetivo central estabelecer o marco temporal para demarcação de terras indígenas na data de 05/10/1988. No entanto, a proposta avança também sobre outras dimensões das relações sociais, econômicas e políticas estabelecidas dentro dos territórios indígenas ou entre indígenas e não-indígenas. Os ataques são múltiplos a autodeterminação dos povos, possibilitando inclusive que comunidades isoladas possam dentro do território autorizar arrendamentos de terras para produção agrícola.
Um dos artigos estabelece que a perda da característica antropológica e cultural da comunidade indígena, ou seja, deixam de ser caçadores e coletores para assumir a produção agrícola, permitirá ao Estado reaver as terras e destinar a reforma agrária, priorizando o assentamento dos indígenas, além lógico de leilões das terras excedentes a posse privada de grandes corporações financeiras ou oligarcas rurais. Desta forma, o projeto que deve ser votado na comissão de constituição e justiça e ataca direitos coletivos e individuais dos povos indígenas reconhecidos pela constituição e pela resolução 169 da OIT, criará inúmeras instabilidades dentro dos territórios e em seus limites.
No entanto, a posição do STF que tende a determinar um prazo de 12 meses para regulamentação da exploração mineral em terras indígenas, voto do ministro Dias Toffoli, que deve ser recepcionado pelo relator do processo, Edson Fachin. Essa abertura concedida pelo STF poderá transformar o PL 2903/2023 de um documento que debate o marco temporal e outros instrumentos. Excluindo o marco temporal para regular exclusivamente o uso das terras para produção agrícola e extração mineral, sendo garantido compensações financeiras no lucro e pela terra utilizada.
Temos muito a discutir ainda, pois a vitória do marco temporal no STF, pode tornar às comunidades indígenas uma vitória de Pirro, pois podemos sair com a não adoção do marco temporal, mais com o congresso autorizando exploração de terras indígenas, sem a necessidade de seguir a posição das comunidades. Venceu-se uma importante batalha, mas os ataques continuam a exigir mobilizações permanentes.
FORAM ELES?
Alguns jornalistas seguindo a compreensão equivocada do ministro da defesa reproduzem que os militares garantiram a democracia no país, após a derrota de Bolsonaro, por não aceitar um golpe de estado, com exceção do ministro da marinha Garnier, conforme relata Mauro Cid, tenente coronel e assessor direto de Bolsonaro nos 4 anos de governo.
A compreensão é equivocada. Quem garantiu a democracia no país foi seu povo que rejeitou qualquer aventura golpista após as eleições. As pesquisas realizadas demonstraram o baixo apoio popular a um golpe de Estado, inclusive entre lideranças religiosas que sustentam ainda o discurso liberal e fundamentalista religioso defendido por Bolsonaro e seus aliados. A exemplo do banheiro unissex que surgiu esse fim de semana para tentar com uma notícia falsa contrapor o esgoto que chafurda o ex-presidente e seus aliados.
Um marco central ao recuo do acordo golpista, no dia 08/01/2023, foi a grande mobilização popular na posse de Lula, além de termos mais de 300 mil pessoas em Brasília, nos diversos estados foram realizados atos em comemoração. Essa realidade possibilitou que forças adeptas ao chamado golpista recolhessem o trem de pouso, muito em virtude da inteligente ação, em 08/01/2023, do ministro da justiça de não decretar GLO, mas sim, intervenção sobre a polícia militar do DF, responsável pela segurança na praça dos 3 poderes, após a intervenção os atos foram contidos rapidamente.
O exemplo maior da submissão das forças armadas as teorias golpistas encontra-se nas mobilizações de políticos e apoiadores de bolsonaro na frente dos comandos militares de cada estado, essa postura demonstra que não foram os militares que impediram um golpe, foi o povo brasileiro, especialmente a classe trabalhadora brasileira que disse não ao autoritarismo e a política de empobrecimento implantada pela direita em aliança com os fundamentalistas religiosos, histórica aliança existente no país.
Bom dia com alegria.
Fábio Almeida
fabioalmeida.rr@gmail.com
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