Acreditamos que a responsabilidade pela coordenação das ações dentro da terra indígena Yanomami é da Superintendência da Fundação Nacional do Índio em Roraima (FUNAI/RR), coordenada pela Marizete Macuxi. Errado. As ações são de responsabilidade da Frente de proteção EtnoAmbiental Yanomami e Ye’kuana que se reporta diretamente a diretoria de proteção territorial da Funai, na Presidência do órgão, responsável pelo monitoramento das áreas habitadas por indígenas isolados e de recente contato, onde se inclui os povos da TI Yanomami.
O desmonte das políticas públicas para os indígenas, especialmente em relação ao processo de proteção e acesso aos serviços públicos, foi uma constante desde o ano de 2016, ampliando-se durante o mandato de 2019 e 2022, quando o presidente da república foi signatário da premissa de que os indígenas atrapalham o “desenvolvimento”. Povos de recente contato e isolados são os mais penalizados neste processo, pois sua condição sociocultural impõe ações rápidas do Estado, a fim de proteger sua existência como povo das ações antrópicas impostas pela sociedade, especialmente cito a grilagem de terras, o desmatamento e o garimpo.
Em Roraima, algumas regiões da TI Yanomami são mais impactadas do que outras, apesar da onda garimpeira incentivada ou negligenciada por instituições públicas e privadas ter ocorrido de forma generalizada. Porém, não temos apenas o garimpo como problema a ser enfrentado pela atual gestão do governo federal, a ausência de um programa educacional, as dificuldades na oferta de serviços de saúde e o escutar das lideranças, as quais são protagonistas de seus destinos de forma homogênea no território, são caminhos difíceis mais que precisam ser enfrentados com ações endógenas às comunidades indígenas.
Felizmente a retomada do cuidado parece ser uma retórica importante, pois no mínimo recebemos de bom grado a preocupação do governo federal em relação as comunidades indígenas, apesar da pressão do congresso para que o garimpo, o gado, o aproveitamento florestal e os grãos passem a ser uma realidade dentro das terras indígenas. Mas, como caminhar em uma conjuntura onde muitos agentes e instituições públicas mantém a lógica de aproveitamento privado das áreas? Responder essa questão fundamental ao processo de proteção social que necessitamos.
Em 1988, o povo brasileiro deu um passo significativo quando no processo de aprovação da constituição brasileira colheu mais de 1 milhão de assinaturas pela aprovação do artigo 231 que reconhece o direito tradicional dos povos indígenas a sua cultura e seu território. A defesa da proposta, no plenário do congresso nacional, coube ao hoje imortal Ailton Krenak. Nestes 35 anos, no entanto, vemos o Estado brasileiro inerte quanto a expansão de um modelo predador da existência destes povos, ou mesmo, signatário de proposições que afrontam os encaminhamentos do século passado, por meio da lei 14.701/2023.
Trago esse olhar por necessidade de fundamentar que o processo de cuidado aos Yanomami que moram no sudeste da terra indígena necessita de ações concretas do Estado. Mas, como fazer os enfrentamentos necessários quando o principal cargo de gerenciamento dessas ações continua exercido, em Roraima, por uma servidora pública indicada durante o governo Bolsonaro? Por mais comprometimento profissional que se tenha é necessário compreender que o exercício de cargo comissionado em um governo que defendia o garimpo na TI Yanomami, compromete o efetivo compromisso indigenista da pessoa. Por isso vemos o que vemos, apesar dos esforços institucionais existentes.
Especialmente é necessário olhar para deterioração social e cultural vivenciada pelos Yanomami da região do Catrimani e Ajarani. Esses grupos populacionais são impactados pelas ações do Estado desde início da década de 1970, projetos públicos de infraestrutura como a BR 210 e privados como o garimpo e a criação de gado foram atividades que impactaram a vida dessas pessoas. Os mais velhos de hoje, são as crianças de ontem, os quais precisam de ações concretas, especialmente na educação, projeto abandonado pelos governos anteriores, e ainda, sem força na atual gestão. Entregar a educação de povos de recente contato a um governo do naipe de Denarium é promover a cultura da exploração mineral e expansão da fronteira agrícola.
Apenas no ano de 2012 que o governo federal conseguiu concluir a desintrusão da TI Yanomami na região sudeste do território, falamos de 12 anos atrás. Qual ação foi realizada para combater a exploração de trabalho análogo a escravidão vivenciada pelos indígenas nessas fazendas desintrusadas? Nenhum. Hoje, os Yanomami dessa região, uma minoria, continua a se relacionar com fazendeiros, muitas vezes em troca de comida e bebida, como historicamente vivenciam. Quantas ações do MPT tivemos nos limites difusos da TI? Nenhuma. O Estado na prática fecha os olhos a condição humana desses indígenas, prestigiando apenas uma hipotética defesa do território, amplificando desigualdades e exclusões.
O resultado é a continuidade, como vivenciamos no governo anterior, de indígenas Yanomami vivendo pelas ruas das cidades de Boa Vista, Caracaraí, Iracema, Campos Novos e Mucajaí. Não por estarem atrás de bebida, como afirmam preconceituosamente vários agentes públicos, mas por quererem e necessitarem de cuidados humanizados, de atenção e de local de fala. Ou vemos a situação dos indígenas que perambulam pela feira do produtor dessa forma, ou estaremos contribuindo vagarosamente para o extermínio de um povo. O que foi vivido, no passado na região do Ajarani e Catrimani, espalha-se por outras áreas do território, a ação, no entanto, reproduz apenas a proteção da terra, a recuperação simbólica da cultura, modos de vida e educação do povo não faz parte do planejamento.
As redes embalam sonhos nas árvores da feira do produtor. Sonhos de uma vida melhor, do direito a educação que é negada, do direito a uma saúde de qualidade que é negada. Até mesmo do direito de compreender mudanças culturais já estabelecidas em virtude do largo espaço de contato pela sociedade envolvente. A referência das crianças que se encontram nas ruas de BV, já não será a mesma das crianças que iam as fazendas, será a mendicância e as luzes da cidade. Algo tão concreto como um grupo de Sanöma que vive em uma área de preservação ambiental em Boa Vista. Nossos antropólogos, sociólogos, historiadores, pedagogos, assistentes sociais e psicólogos precisam entrar nesse debate, caso contrário deixaremos em um tempo da história a beleza de conviver com povos de cultura milenar.
O álcool é muitas vezes a única saída psicológica a completa desestruturação social, a perda do lugar de existência, seja pela fome ou por outras ações, destrói-se desta forma sistemas sociais. Vemos isso, não apenas com os indígenas Yanomami que circulam e dormem por nossas ruas, vemos com pretos e brancos em geral, excluídos deste sistema produtivo devorador de pessoas. Precisamos de um forte trabalho da saúde e da educação, mas como fazer se a lógica administrativa é reconhecer o indígena apenas em seu território. Frases como: eles estão na cidade por que querem. Serve apenas para justificar a incompetência administrativa de órgãos que já não sabem sua finalidade institucional.
Vivemos em um tempo em que indígenas que se encontram na cidade possuem dificuldades de atendimento no subsistema de saúde indígena, por se encontrarem fora de suas comunidades. “Esses não foram removidos pela Sesai, portanto não temos obrigação de atender”. Esse tipo de compreensão da realidade reproduz apenas o discurso secular de que os indígenas atrapalham o bom andamento dos trabalhos de uma elite extremamente violenta. Isso é criminoso. O deslocamento das famílias Yanomami para centros urbanos é uma realidade, seja para percebimento de salários, de programas sociais, procurar atendimento médico, garantir segurança alimentar, ou mesmo, apenas pelo direito de passear. Ou não podem os indígenas andarem pelo Estado? Porém, a questão central é: qual estrutura temos para receber essas pessoas? Nenhuma.
O mais incrível é a Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami e Ye’kuana, numa situação de conflito em determinada comunidade retirar 19 indígenas, dentre eles 10 crianças, e deixar em um estabelecimento privado por 3 dias, sem o mínimo de acompanhamento de profissionais da instituição. Após a designação do local de moradia temporária e a inviabilidade de permanência destes indígenas, retornam à cidade e a Frente de Proteção os deixa no mesmo local. Na última terça-feira, completou-se 15 dias vivenciados por esse grupo na cidade de Boa Vista. Sabe quantas vezes a Frente de proteção visitou esse local para ver as condições dos indígenas? Nenhuma. Essa é a realidade de trabalho dessa instituição, o que demonstra o completo descompromisso com a vida dos Yanomami.
Pior é ver pessoas ligadas a uma rede de proteção que desenvolvem um trabalho de auxílio alimentar e humano, aos Yanomami em situação de rua, serem achincalhados pelo poder público, em virtude de possibilitarem acesso a comida a essas pessoas que se encontram em vulnerabilidade social e são invisibilizadas para ações públicas do Estado, ontem e hoje. Demonstra-se que a crise vivida pela sociedade em relação a uma parcela do povo Yanomami reflete-se muito além do garimpo criminoso, estrutura-se na ausência de compromisso em construir elos entre o povo, para o povo e com o povo. Escutar os indígenas da região do Ajarani é fundamental, sendo um passo inicial na superação da atual realidade social que enfrentamos.
É preciso mudar. É preciso humanização das estruturas públicas. É preciso que o protocolo Yanomami seja observado. Mas, fundamentalmente é necessário que o poder público federal, estadual e municipal compreenda a importância dos Yanomami para nossa formação social. A sociedade roraimense precisa cobrar efetivamente ações públicas que culminem com a melhoria da qualidade de vida desses cidadãos e cidadãs brasileiras que ante a inércia do Estado vem seus filhos e filhas serem capturadas por redes ilegais de adoção, ou mesmo institucionalizadas por condições de vulnerabilidade, além de vermos o asfalto manchado por sangue de Yanomami atropelados, enquanto outros estão recolhidos ao sistema prisional servindo como novas ferramentas ao crime organizado. Tudo está errado. Mas, não adianta receber cartas dos Yanomami ou participar de reuniões, precisamos como sociedade, representada pelo poder público, de ações de cuidado. Comecemos pela segurança alimentar e com um consultório de rua para atender os Yanomami, isso já seria um grande passo.
Conselho de Igualdade Racial
São 21 anos. A luta pela criação do Conselho de Promoção da Igualdade Racial em Roraima comemora sua vitória na maior idade. Segunda-feira (15/04), os conselheiros tomaram posse e terão como principal missão consolidar intervenções científicas, sociais e proposições de políticas públicas que enfrentem as diversas iniquidades que aflige as minorias étnicas e religiosas do Estado.
O CONSEPIR conquistou avanços significativos no país, não apenas pela disponibilidade de recursos para consecução de políticas públicas, os quais, Roraima, não tinha acesso em virtude da inexistência do conselho estadual. Mas, principalmente na formulação de um arcabouço legal que versa no combate à discriminação racial, identificado sociologicamente como racismo estrutural. Mas, aqui, temos espaço para outros problemas existentes, a exemplo, da perseguição as religiões de matriz africana, judaísmo, islamismo, ou mesmo a povos, como os indígenas e ciganos. O papel do colegiado na aprovação do estatuto da igualdade racial foi fundamental no país.
A conquista das cotas raciais nas instituições de ensino superior e na realização de concurso público do governo federal, consiste em vitórias para o povo preto, especialmente no intuito de se verem representados em espaços concretos da sociedade. Combater as cotas raciais é impor aos pretos e indígenas uma exclusão social. Pois a meritocracia, em um país desigual em renda e riqueza com os níveis do Brasil, é na prática a orquestração de uma política de exclusão de parcelas significativas de nosso povo.
As elites políticas de Roraima nunca permitiram a organização do conselho estadual, agora concretizado por meio da Lei 1.893/2023. O normativo legal estabelece 19 competências ao colegiado composto de forma paritária entre organizações da sociedade e do governo, são 40 membros, entre titulares e suplentes, que terão dentre suas atribuições formular a política de promoção da igualdade racial de Roraima, enfrentando a diversidade histórica, cultural e religiosa dos povos, além de propor e acompanhar medidas de proteção aos direitos violados e ameaçados por discriminação étnico e racial.
A consolidação desse espaço político é um avanço social para nosso povo, temas escondidos e invisibilizados ganharão maior repercussão por meio de mecanismos e instrumentos que ampliem a participação popular na formulação das políticas públicas, tendo como viés o recorte racial. Esse passo numa administração pública que trata indígenas, pretos e imigrantes como empecilho é fundamental, a fim de que possamos promover, como afirmou a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, Iêda Leal, cidades antirracistas.
Felizmente avançamos socialmente, espero como um construtor deste processo, que nosso conselho não se transforme em mais um espaço burocratizado. Os atabaques, o colorido e as vozes devem ecoar todo o sofrimento vivenciado pelo nosso povo, cada vez mais imbuído de seu protagonismo, especialmente quando vemos a efetiva participação de nossos jovens seja nos cabelos trançados que representam o poder preto, ou mesmo, nas pinturas corporais que embelezam os corpos de jovens indígenas.
Consolidar um povo desenvolvido é compreender que as diferenças existem e devem ser respeitadas, tendo como norte central, a solidariedade e a inclusão social. Esse caminho começa a consolidar-se com a criação do Conselho da Promoção da Igualdade Racial de Roraima (CONSEPIRR), um instrumento de luta de todos nós. A tristeza, minha, foi não ver representado entre os conselheiros vozes de organizações indígenas e de imigrantes, espero que na conferência estadual possamos tê-los na mesa com suas potentes vozes, já que serão chamados aos círculos de trabalho, como estiveram na formulação do conselho. Viva a todos os resistentes e lutadores populares que nunca desistiram dessa conquista de ontem.
Lava Jato
A operação desencadeada pelo CNJ enfrenta de forma altiva os crimes praticados por magistrados que ainda continuam em atuação. A penalidade imposta a juízes e desembargadores devem servir para que possamos construir limites claros contra os abusos do poder judiciário, os quais, neste caso, além de terem um viés político demonstra que havia uma perspectiva de locupletação por parte de servidores públicos, ao tentarem ficar com mais de R$ 1 bilhão para financiar ações que seriam conduzidas por eles mesmos. Os recursos da nação, originados em multas impostas nos EUA, serviriam para diárias, eventos e financiamento de projetos pessoais, como eram os interesses políticos de um ex-juiz e um ex-procurador. O que não podemos admitir é que os fatos voltem a se repetir na justiça brasileira. Em 2006, o mensalão demonstrou a promiscuidade entre o executivo e o legislativo, ao invés de criamos elos que evitassem a continuidade dessa indecência, vimos ela ser registrada no texto constitucional, por meio da famigerada emenda PIX. Que os crimes da lava jato sirva para melhorarmos nossos procedimentos judiciais.
Porte de Drogas
A posição dos senadores em constitucionalizar a criminalização do porte de drogas, em pequenas quantidades, amplia o processo de desigualdade no tratamento do problema. Na realidade colocaram na constituição a mesma distinção entre usuário e traficante, tendo os primeiros, penalidades mais brandas. Ou seja, a prisão de pretos pobres com um cigarro de maconha continuará a ser uma realidade, enquanto as 50g do jovem branco e rico continuará a ter penas administrativas. O uso de drogas é um problema de saúde, como é o uso de álcool e tabaco, assim deveria ser enfrentado pela sociedade e seus representantes. A nova regra irá levar mais jovens pretos de nossas periferias às prisões, enquanto os brancos endinheirados continuarão a ser enquadrados como usuários, porém agora com registro criminal, algo que não acontecia. Lamentável a postura do senado que ao invés de retirar a tipificação criminal em relação ao usuário, impõe na realidade um endurecimento da relação equivocada da política de combate as drogas, aprovadas no primeiro mandato de Lula. A prisão em massa só ajuda as organizações criminosas, ampliando os sistemas de relações destes com os mais variados espaços da estrutura social. O Brasil precisa avançar no sentido de legalizar o comércio e o consumo de drogas, igual faz outras nações.
Eleições em Alto Alegre
A disputa extemporânea demonstra que teremos um processo tenso em Roraima. As máquinas públicas serão utilizadas de forma escancarada, no intuito de se alcançar a vitória do candidato A ou B, nem as recentes condenações do atual governador inibe a corrupção eleitoral com dinheiro público. Tanto a gestão do governo, quanto a municipal, destinam muita grana para encorpar o apoio popular aos seus indicados, algo que desestabiliza o processo eleitoral, neste caso, disputado entre a direita roraimense. Já o União Brasil que se apresentava como uma voz da direita, a parte dos eixos centrais da disputa, demonstra ser mais subalterno aos interesses do governo do que a retórica demagógica do seu presidente estadual. Enquanto isso, o povo continua a sofrer um processo contínuo de exclusão social e econômica.
Bom dia com alegria.
Fábio Almeida
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