Vivemos no Estado brasileiro um modelo de disputa sobre sua forma de organização e seu papel ante a sua relação com o desenvolvimento humano sustentável. Compreender e debater sobre esses caminhos é fundamental para criação de forças populares que enfrentem as desigualdades impostas ao povo, apesar deste sustentar o Estado burguês com seus impostos.
Nesta quadra a perspectiva revolucionária de esquerda encontra-se em crise, pois a burocratização do Estado, cujas experiências surgiram em vários países, desmobilizaram a força revolucionária da classe trabalhadora. Em minha opinião, essa crise fundamenta-se em virtude da reprodução, como modelos transitórios, de dogmas burgueses, a exemplo da permanência sociológica do Estado e dos princípios centralizadores dos meios de produção não nas mãos dos burgueses, mais sim do Estado.
O cerco econômico pelas principais potências burguesas também impede o pleno desenvolvimento das nações que efetivaram revoluções socialistas. O exemplo maior consiste no bloqueio econômico a Cuba. Marx afirmava que a revolução promovida pelos proletários deverá ter uma perspectiva internacionalista, movimento nunca alcançado. Hoje, a crise do Estado burguês permite novas perspectivas. Mas, a crise e as divergências internas entre o conjunto dos partidos revolucionários impedem um ganho político deste segmento na atual quadra política.
O outro campo é promovido por parte da burguesia, cujo sistema econômico é o capitalismo e o político o liberalismo. O liberalismo demonstrou no início do século passado sua incapacidade em responder as necessidades da classe trabalhadora. Pois, a lógica de organização deste Estado liberal, não contempla a oferta de serviços ao povo, cada qual tem que pagar pelos serviços públicos, os quais devem ser ofertados pela iniciativa privada. Esse modelo demonstrou-se insuficiente para atender a necessidade do povo.
Sobre essa ótica, surge com expoentes estadunidense e ingleses, um conceito que se denomina como neoliberal, mantêm-se a defesa das privatizações dos serviços públicos, a defesa do Estado mínimo, porém defendem que o Estado possa disponibilizar ajuda financeira a parcela dos excluídos do sistema produtivo e uma política de voucher para acesso aos serviços públicos privatizados. Esse modelo também se demonstrou fragilizado, desde a crise estrutural do Estado burguês, iniciada em 2008, prolongada pela ampliação de guerras e pela ampla concentração de renda e riqueza nas mãos de oligopólios e do sistema financeiro.
O neoliberalismo é marcado pela desregulamentação de direitos trabalhistas e sociais, redução dos orçamentos destinados a investimentos públicos, privatizações de serviços e bens públicos e consolidação do processo de concentração da renda e da riqueza, uma característica do capitalismo. Cada vez mais pessoas possuem dificuldades de sobreviver, especialmente os jovens, apesar de ano após ano a riqueza produzida pelo sistema econômico crescer, mas sua distribuição é feita entre poucos representantes de oligopólios e do sistema financeiro.
Essa crise do projeto burguês de nação impõe o retorno de propostas com viés fascista, denominado atualmente como neofascismo. A exemplo da experiência vivida no Brasil com o ex-Presidente Bolsonaro, esse projeto baseado num discurso conservador e em conflitos com a perspectiva da estruturação do Estado burguês impõe um apelo a partir do discurso nacionalista, o qual se molda as realidades objetivas vividas pelo povo e sua dificuldade de sobreviver, mas, a lógica central é estabelecer alguma minoria como responsável pela tragédia, porém, o programa de organização do Estado é neoliberal.
No tocante as linhas ideológicas vivemos uma crise mundial da socialdemocracia. A socialdemocracia desde a realização da I internacional aprovou uma perspectiva de mudança por dentro da estrutura do Estado burguês, fazendo com que seus representantes passassem a reproduzir o conteúdo do deste Estado, pautada no tripé da democracia representativa, a repartição do poder entre legislativo, judiciário e executivo e na defesa da propriedade privada.
Esse estado socialdemocrata se organiza sobre duas correntes centrais os desenvolvimentistas e os liberais. Neste contexto, a disputa política ocorre sobre quanto o Estado irá incidir sobre o desenvolvimento econômico e o nível de desregulamentação de direitos trabalhistas e sociais. Com um ou outro modelo o sistema produtivo capitalista é fundamental ao pleno desenvolvimento de uma nação, ambos defendem linhas de financiamento, porém, distinguem-se no tocante a oferta de determinados serviços pelo Estado.
Faço essa introdução para fundamentar um debate sobre a conjuntura brasileira e os esforços de uma elite agrária, empresarial e bancária em manter o projeto neoliberal que ascendeu ao poder no país em 2016, com a chagada do MDB e sua Ponte para o Futura, e consolidação com o PL, ante o projeto socialdemocrata desenvolvimentista capitaneado por Lula, dentro de sua frente ampla. Debater o viés neofacista é importante para combater os ataques as minorias, sejam indígenas, negros e negras, imigrantes, LGBTQIA+, ciganos. Porém, meu objetivo é contrapor os modelos, a fim de que a classe trabalhadora possa impulsionar mudanças concretas.
Inicialmente é preciso falar sobre o orçamento. Não há espaço para melhorar a vida da classe trabalhadora com a vigência da emenda constitucional 95 – conhecida como Teto de Gastos. Essa prática de gestão orçamentária impôs ao país e seus entes federados a impossibilidade de investir recursos nas despesas primárias – educação, saúde, emprego, obras – acima da inflação do ano anterior. Ocorre que as despesas financeiras não possuem teto e continuam a crescer e gerar concentração de renda e riqueza nas mãos de banqueiros e especuladores financeiros.
Enquanto nosso povo passa fome, o crescimento das despesas financeiras refinanciamento da dívida e juros, entre 2019 e 2022, foi de 89%, passando de R$ 980 milhões em 2019 para 1.853 bilhões em 2022. Já as despesas primárias tiveram um crescimento de 26,9%, subindo de R$ 1.201 bilhões, para R$ 1.525. Pagamos impostos para remunerar quem? Em 2023 já efetuamos o pagamento de despesas financeiras para bancos e especuladores de R$ 685 milhões, isso representa 67% dos gastos realizados em pouco mais de 60 dias de governo. Esses dados demonstram que o orçamento foi sequestrado pelo sistema financeiro, nos últimos 4 anos, precisamos de novas regras que permitam retomar investimentos e melhorar a qualidade de vida do povo.
O projeto desenvolvimentista e socialdemocrata representado por Lula precisa enfrentar esse problema orçamentário, caso contrário o Estado brasileiro continuará a imprimir uma gestão pública que permeia a ampliação da concentração de renda e riqueza. Apesar da reforma tributária, com desoneração do consumo e ampliação da oneração da renda ser uma necessidade no arcabouço orçamentário do país, sua prioridade parece-me distorcida da necessidade histórica que é retomar o orçamento para atender os interesses da classe trabalhadora, não de banqueiros como defendem os neoliberais e liberais que integram a oposição e defendem a manutenção do teto de gastos.
Uma batalha urgente que necessitamos pressionar o governo Lula diz respeito ao projeto de privatização dos sistemas públicos de gestão do saneamento, aprovado pela Lei 14.026/2020. A proposta incentiva a privatização da água, não podemos permitir que os oposicionistas e segmentos que integram a base do governo, a exemplo do MBD e PSD que defendem a privatização do saneamento tenham sucesso. Privatizar o saneamento é impor restrição á água ao nosso povo, bem como exigir que agricultores familiares passem a remunerar as empresas pelo uso de água subterrânea.
Esse passo dado pelos neoliberais no poder político necessita ser contraposto pelo povo. Fomento possibilidade que o Estado brasileiro possa servir aos interesses do coletivo de seus construtores, não aos interesses dos empresários que integram as principais estruturas de poder no Brasil. Vejamos o exemplo do Estado de Roraima, dominado hoje por uma oligarquia agrária, em aliança com empresários, que direcionam cada vez mais recursos do Estado para atender seus interesses econômicos, o fechamento do matadouro público, beneficiando o matadouro do atual governador é um bom exemplo.
Um outro olhar fundamental que distingue os modelos da socialdemocracia e o neoliberalismo é a preservação ambiental e o respeito as minorias. Os primeiros compreendem a necessidade de transformar o modelo produtivo baseado na geração de energia fóssil, os segundos acreditam que é preciso gerar riquezas e utilizar os recursos naturais. Já os revolucionários querem transformar o modelo produtivo integralmente com preservação ambiental, a principal mudança aqui é fundamentada no fim do valor de troca, para assunção do valor de uso. Essa premissa deixa tanto sociaisdemocratas, como neoliberais de cabelo em pé.
A proteção de nossa fauna e flora é essencial à vida. As ações de preservação são fundamentais na defesa de nossos mananciais superficiais e subterrâneos sinônimos da continuidade da vida humana na terra. A crise climática potencializadora da era interglacial que vivemos, impõe a milhões de pessoas na África e na Ásia escassez de água potável. Desta forma, é fundamental que processos produtivos do sistema capitalista possam ser revistos de forma urgente, pois a lógica do acúmulo permanente impõe o uso exponencial de recursos naturais, gerando também uma quantidade enorme de resíduos, principalmente os plásticos.
Por último, é primordial revermos o papel do Estado no suporte financeiro às famílias. O desenvolvimento tecnológico a cada dia afasta trabalhadoras e trabalhadores de postos de trabalho, fruto da automação e robotização. Essa nova realidade imporá a sociedade a necessidade de redistribuir cada vez mais renda, caso contrário veremos a idealização de cidades que levantarão muros para excluir e invissibilizar os excluídos, algo já existente nos condomínios privados.
No Brasil, a maioria do parlamento eleito possui identidade ideológica com o neoliberalismo, portanto é fundamental mesmo com todas as contradições impostas pelo Governo Lula, possa a esquerda revolucionária declara um apoio crítico, a fim de fortalecer a desconstrução de amarras que sustentam o sequestro da riqueza nacional para atender interesses financeiros, a exemplo da atual taxa de juros que penaliza a classe trabalhadora, pois restringe a circulação de moeda, atingindo também os microempreendedores que sem moeda circulando quebram seus negócios e ampliam a necessidade de assistência do Estado.
SENADOR MECIAS
Defende a privatização da água apenas se ela atender todo o Estado de Roraima. Apesar de ele ter votado contrário a Lei 14.026/2020, proposta por Bolsonaro, seu partido em Roraima tem encaminhado todos os procedimentos legais necessários a privatização da água, a exemplo da aprovação da Lei 300/2021 que criou uma microrregião com todos os municípios de Roraima. A norma, obrigada pela Lei de privatização da água aprovada por Bolsonaro, inclui irregularmente dois municípios que não possuíam contrato de programa com a CAER, sendo o Uiramutã e Caracaraí. A presença destes 2 municípios torna-a sem validade alguma. Os municípios citados deveriam conforme o novo marco do saneamento, assumir a oferta dos serviços, ou realizar uma licitação aberta a iniciativa privada. É urgente que a sociedade brasileira cobre do governo federal a reversão desta norma, pois nossa água não pode se transformar em uma mercadoria, cujo foco seja o lucro. Vimos muito bem o que aconteceu com nosso sistema de energia e a privatização da refinaria da Petrobras no Amazonas, em dezembro de 2022, pagamos hoje uma das gasolinas mais caras do Brasil.
RACHA
O Republicano, liderado por Mecias de Jesus, o senador que de “divino” só possui o nome, revelou em uma entrevista que possui um acordo com Denarium para que o Governo o apoie em 2026 para disputar o Palácio Hélio Campos. Publicamente ele deixa transparecer que o não cumprimento do acordo será aceito, mas os que conhecem a prática política do senador sabem que o não cumprimento irá impor um racha enorme na base do Governo. Se a tendência permanecer é possível que o Republicano que controla a casa legi$lativa possa aproveitar as denúncias contra o Governador e já tomar seu mandato. Crimes administrativos existem muitos, basta interesse em punir a perdulária gestão do governo Denarium. Lembro que hoje o partido integra o Governo e detém a indicação de diversos secretários, entre eles o de educação que parece se encontrar com os dias contados a frente da pasta.
LULA EM RORAIMA
É incompreensível como a direita conservadora anti-indígena de Roraima tem cobrado o Presidente da República para integrarem a comitiva da Presidência, convidada para participar da 52 Assembleia Geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR). A cobrança é completamente desproporcional, pois Lula foi convidado a participar de um evento privado, não de uma ação pública promovida pelo Governo Federal. A raposa serra do sol foi homologada pelo Governo Lula há 18 anos. Não é compreensível parte da classe política querer participar do evento quando abertamente defendem o fim das áreas contínuas – inclusive com a imposição do marco temporal – defendem o garimpo em terras indígenas e assumem abertamente discursos contra as comunidades. Lula vem escutar os indígenas de Roraima e comemorar a retomada da centralidade da proteção e dos programas de autossustentabilidade protagonizados pelos próprios indígenas. Seja bem-vindo Presidente.
Bom dia. Um forte abraço.
Fábio Almeida
Jornalista e Historiador.
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