O STF deve retomar, na data de hoje, o recurso que questiona uma leitura da Constituição Federal, especificamente o artigo 231, impondo uma interpretação constitucional com base no entendimento de que as demarcações de terras indígenas podem prosperar apenas se os indígenas estivessem presentes sobre a parcela de terra em 05/10/1988.
O recurso extraordinário 1017365 questiona a decisão tomada pelo TRF 4 que com base na premissa do marco temporal reintegrou a posse da reserva biológica Sassfrás, situada na terra indígena Ibirama Laklãnõ (SC), onde moram povos Xokleng, Guarani e Kaigang. A ação foi movida pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas que questiona a decisão tomada pelos magistrados de segunda instância.
A posição jurídica abriu uma oportunidade à elite agrária do país que votou contra o artigo 231 da Constituição Federal em 1988, alegando que isso acabaria com o Brasil. Voltam a questionar o direito ao reconhecimento tradicional dos povos indígenas a ocupação das terras, as quais foram griladas com ajuda do Estado brasileiro, seja na regularização ou no incentivo a ocupação. Vejamos o que ocorre na região do Ereu e de Campos Novos.
O processo de votação, no STF, teve início, em 2021, quando o ministro relator Edson Fachin emitiu seu voto estabelecendo que a tradicionalidade seja o fundamento central no processo de reconhecimento do direito ao estabelecimento de uma terra indígena. A base da compreensão jurídica em seu voto consiste na defesa de que o direito a terra é uma cláusula pétrea da carta magna, ao reconhecer o marco temporal proposto desconsidera-se esse direito.
O voto do ministro Nunes Marques foi a favor da interpretação da elite agrária brasileira, próxima aos interesses do governo Bolsonaro, ou seja, aprovando a interpretação de que sem a existência de indígenas sobre a terra reivindicada, em 05/10/1988, o direito a demarcação deixa de existir, tornando nulo qualquer estudo antropológico que comprove a ocupação tradicional da região por indígenas.
O ministro Alexandre Moraes pediu vistas ao processo e retomará seu voto na sessão desta quarta-feira. Logo após deve votar o ministro André Mendonça que deverá pedir vistas ao processo, em virtude de seu alinhamento com os interesses dos grandes fazendeiros do país que investem recursos no estabelecimento deste e outros conceitos, por meio do projeto de lei 2.093/2023, antigo PL 490/2007 quando estava na câmara dos deputados.
Fundamentalmente não podemos aceitar o conceito imposto pelos grandes proprietários de terra em relação ao marco temporal, sua adoção impedirá a garantia do cumprimento da constituição, sequestrando dos indígenas o direito ao seu território. Ontem, no senado federal, alguns parlamentares ao justificar o pedido de urgência – que circula naquela casa legislativa – fundamentavam seus discursos sobre a premissa de que o problema dos indígenas não é a garantia da terra, mas sim, modelos de desenvolvimento.
Que desenvolvimento é possível quando não se tem onde viver? Essa é uma pergunta que devemos como sociedade enfrentar de forma altiva. Definir os territórios indígenas é permitir o direito a proteção de povos que resistiram as ações do Estado brasileiro ao impor uma política de supressão étnica destes cidadãos e cidadãs brasileiras. O crescimento populacional nos territórios demarcados demonstra claramente a necessidade da terra como direito à vida.
O que se encontra em disputa neste momento no Brasil é a garantia de um direito constitucional. Não o direito a terra como tenta impor o discurso da oligarquia agrária. As demarcações devem observar a ocupação tradicional dos territórios, resolvendo definitivamente a dívida humana que temos com os indígenas. A partir deste momento programas de auto-sustentabilidade precisam ser debatidos com os indígenas para que a qualidade de vida destes povos melhore. Outra questão a ser respondida é como garantir isso no âmbito do capitalismo e do sequestro do orçamento público pelo sistema financeiro?
Os povos indígenas de todo o Brasil estão de parabéns pelo ato de resistência que começou no último dia 05/06/2023. As ruas são o palco das vozes do povo na busca da superação das iniquidades impostas pelo Estado. A sustentabilidade de um direito se efetiva não apenas no parlamento ou no judiciário, consolida-se na mobilização de massa, como forma efetiva da demonstração de uma unidade política que sensibiliza outros segmentos.
SUS EM RISCO
O governo de Roraima implementa uma verdadeira política de privatização do SUS. Recentemente tentou-se entregar a gestão do HGR, por R$ 429 milhões anuais, para uma empresa privada. Os serviços cada vez mais são referenciados para iniciativa privada, dificultando o acesso da população mais pobre que se desloca vários quilômetros para agendar e realizar suas consultas, a equidade não é uma política do SUS observada pela atual gestão em Roraima.
A Lei 8142/1990 e a LCP 141/2012 regulamentam os gastos com saúde. Uma das principais imposições é a existência dos fundos de saúde que devem administrar integralmente os processos de investimentos e despesas realizadas. No entanto, ontem, a ca$a legi$lativa de Roraima promoveu, por iniciativa do governo, mais um ataque ao SUS, ao retirar os processos de aquisições de bens e serviços da SESAU, repassando a uma secretaria de licitações, conforme prever o projeto de lei 92/2023, confrontando diretamente as normativas estabelecidas pelo SUS, quanto ao gerenciamento dos recursos da saúde. Os quais passarão a ser administrados por terceiros, entrando as licitações do setor na fila de todas as demais licitações do Estado. A medida dificultará ainda mais os processos de terem uma conclusão rápida.
Não foi apenas a saúde o foco do ataque do governador. A educação também teve usurpado seu processo de administração de suas licitações, outro afrontamento aos normativos legais que estabelecem a responsabilidade da gestão dos processos financeiros à pasta da educação. Denarium, busca ampliar a sua influência e os interesses políticos de seus aliados que querem colocar as mãos sobre os recursos da saúde e educação, de forma que a manutenção dos interesses do executivo continue a prevalecer na combalida, passiva e submissa representação parlamentar do legi$lativo estadual.
MISOGINIA
O filho do Isamar Ramalho, Isamar Filho (PSC) que exerce o cargo de Deputado Estadual, representam interesses da igreja Assembleia de Deus na política, tentando impor seus dogmas como contratos sociais a serem seguidos pela plural e diversa sociedade brasileira e roraimense. No último dia 26/05, o parlamentar conservador, apresentou o projeto de lei 145/2023 que “estabelece diretrizes para a promoção de ações que visem à valorização de homens e meninos e a prevenção e combate à violência contra homens”. Essa proposta em um estado patriarcal é um escárnio.
Segundo a proposição legislativa as escolas estaduais devem desenvolver a valorização de homens e meninos e o combate a discriminação e violência contra estes segmentos. Caracterizando como violência contra os homens e meninos as práticas e relações sociais defendidas pelo feminismo, a crença na inferioridade dos homens e sua submissão ao sexo feminino. Isso é uma afronta à luta por direitos consolidadas pelas mulheres.
Na prática a luta das mulheres passará a ser identificada, aprovado o projeto, como um crime de violência contra os homens, os quais não podem ser inferiores a supremacia social imposta pelo patriarcado inerente à formação cristã no país. O feminismo pela lei proposta passa a ser visto como crime. A luta por cota de participação e composição no parlamento será crime em Roraima? Ou mesmo o movimento OAB Mulheres passará a ser uma organização criminosa? Minhas companheiras do NUMUR, MMC, UBM entre tantas outras organizações de mulheres, do campo e da cidade, daqui a pouco serão enquadradas como terroristas, por essa turma que quer transformar o Brasil em um estado Teocrático.
O inciso V, do artigo 2º, prever que dogmas religiosos, sexuais e étnicos não podem ser trabalhados nas escolas, mesmo quando colocam a mulher em condições submissas aos homens, passando a ser vista essas análises como discriminação e violência. Os homens que acreditam ser correto bater em mulheres terão agora nas escolas a jurisprudência de justificar o “teor social dessa violência”. Lamentável essa posição do parlamentar e pastor.
Já o inciso VI, do mesmo artigo, estabelece que as escolas sejam obrigadas a promover debates e reflexões sobre o papel historicamente exercido pelos homens em nossa sociedade. Ou seja, o papel da opressão, dos salários desiguais, da violência de gênero terão espaços de proliferação dentro de nossas escolas estaduais, aprovado este projeto.
Além das mulheres, a comunidade LGBTQIA+ também é foco do projeto apresentado.
O intuito é tentar fortalecer a lógica de opressão de homens e meninos como uma justa posição social. Caracterizando que a luta por reconhecimento de direitos a segmentos que morrem e são violentados – Roraima é o Estado que figura entre os principais do país no tocante a violência contra mulher e LGBTQIA+ - a passará a ser vista como ato de violência contra os homens. A proposição do parlamentar sustentará essas práticas violentas, ao designar como crime qualquer atividade que tente combater as opressões cometidas por homens.
É fundamental que os parlamentares e a presidência da ca$a legi$lativa façam uma fala contra essa proposição. Pois, apenas sua apresentação estimula a sanha violenta de homens, adolescentes e meninos contra as mulheres e membros da comunidade LGBTQUIA+. Não podemos permitir, como sociedade, que temas como esse passem a ganhar corpo político, pois os únicos que sofrerão somos nós que formamos esse povo que ainda não superou o patriarcado reinante em Roraima e em muitas instituições religiosas ou não. Viva o feminismo e a luta pela emancipação das mulheres.
Bom dia. Um forte abraço
Fábio Almeida
Jornalista e Historiador
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