Hoje, às 10h, na Câmara dos Deputados, acompanharemos uma audiência que representa o ódio de uma parcela da elite política brasileira aos povos originários. Recentemente fomos brindados com uma tese estapafúrdia do marco temporal, onde estabelecesse que se os originários não se encontravam em determinado lugar em 05/10/1998, não possuem direito à demarcação das terras.
Neste processo, indecoroso de disputa pela hegemonia da terra, a oligarquia agrária busca esquecer a história brasileira de descimentos, expulsão e escravização a que foram submetidos os indígenas no país. Ao utilizar o verbo no passado distorço um pouco a realidade, pois apesar de não continuar sendo uma ação do Estado. Como era! Continuam eles a enfrentar homens armados a fomentar o terror como ferramenta de posse da terra.
A câmara, ao recuperar a lógica do STF que se posicionou contra a tese do fatídico marco temporal recentemente, promove um debate em torno da revisão do processo de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS). Proposta estrategicamente por um parlamentar do Espírito Santo, os debates querem abrir caminho para revisão de territórios, sobre a justificativa de que é "muita terra para poucos indígenas" e da necessidade de produzir commodities para exportação. Neste debate o que menos importa é a lógica da existência indígena, a premissa central é ampliar os grandes latifúndios, algo inerente a histórica lógica de organização agrária, algo que vivenciamos fortemente em Roraima, após a transferência das terras da União ao Governo do Estado.
A Terra Indígena Raposa Serra do Sol abriga hoje mais de 60 mil indígenas. Se formos relativizar a posse coletiva, pela posse privada, teríamos cerca de 29 hectares para cada indivíduo que por lá reside, parcelas de terra muito abaixo que os 2,5 mil hectares que o governador de Roraima tem doado a fazendeiros de fora do Estado. Realidade que querem voltar a adotar dentro da TI - lembro que apenas Paulo Quartieiro possuia em terras griladas 37 mil hactares. Ou seja, não é a demarcação das terras indígenas que concebem a falta de terras no Estado. Mas, sim, gestores públicos serem sozinhos donos de grandes parcelas públicas, como ocorre na região do Pacú, dominada por Denarium e alguns de seus cupinchas.
Aqui é importante salientar uma questão concreta. Desde que a TI Raposa Serra do Sol foi demarcada em 1997, durante o governo de FHC, e homologada em 2005, no governo Lula, os recursos financeiros baseados em subsídios, incentivos e isenções à produção daquela região deixaram de existir. A realidade de fomento por meio de dinheiro público estadual e federal a agricultura só foi uma realidade objetiva até os não indígenas por lá produzirem, após a demarcação nada de incentivos. Lembro aqui que um dos maiores rebanhos de gado pertencem aos indígenas da TIRSS. Isso não serve como referência ao investimento público. Por exemplo, desde a criação da Lei 215/1998 nem uma organização indigena foi contemplada com os incentivos fiscais, demonstrando a seletividade do Estado roraimense, ao priorizar não indígenas ricos para beneficiamento da produção por meio de recursos públicos.
O que querem os parlamentares roraimenses e brasileiros na realidade? Abocanhar mais terras para sua lógica de reprodução de um modelo econômico altamente poluente e impactante ao meio ambiente. A recente crise, no Rio Grande do Sul, demonstra o resultado prático da lógica produtiva sobre a vida humana. Isso não deve ser sinônimo de barrar qualquer produção, mas exige da administração pública diálogos, respeito ao conhecimento tradicional e a capacidade de recomposição do meio ambiente, nada disso é observado pela nossa elite agrária que manda nesse país desde a ocupação dessas terras pelos portugueses.
É fundamental que a sociedade roraimense tenha uma posição clara contra esse novo ataque da extrema-direita brasileira que almeja possibilitar um discurso hegemônico em torno de transformar os indígenas em empecilho ao desenvolvimento econômico. O que não é uma realidade. O desenvolvimento humano no Brasil para a maioria de seu povo, incluindo os indígenas, não é uma realidade em virtude da grande concentração de renda e riqueza que forja nossa organização social. O debate apesar de inócuo no campo judicial possibilitará repercussões que buscam ampliar o ódio de parcela de brasileiros contra os indígenas, incluindo aqui parcelas da classe trabalhadora. Isso, vivenciamos em Roraima nos últimos 50 anos, demonstrando-se um grande catalisador de apoio de trabalhadores às teses de uma elite financeira que sobre a lógica do “desenvolvimento” amplia seu poder sobre o Estado.
Algumas pessoas afirmam que vivemos em um estado democrático, portanto é legítimo o debate. É legítimo estabelecer um diálogo sobre a efetividade da escravidão para produção nacional? Claro que não. Então porque temos que ver os direitos constitucionais de nossos povos indígenas serem questionados pelo parlamento? Na prática a audiência pública é mais um capítulo para a extrema-direita externar seu ódio aos indígenas e sua perspectiva do bem-viver. Como fez Bolsonaro ao lado de Denarium, em 2018, quando em frente a fatídica estátua do garimpeiro afirmou que se fosse presidente do país passaria com um trator sobre as terras indígenas. Não fez isso. Mas, deixou de demarcar terras indígenas em seus 4 anos de governo, ampliando conflitos e a morte de indígenas por todos os quadrantes rurais deste país.
Polícia
O crescimento das facções criminosas em Roraima e sua inserção em espaços do Estado já é uma realidade objetiva. Vemos políticos investigados por envolvimento com essas organizações criminosas. Até parentes do governador foram presos acusados de tráfico de Skank, uma droga sabidamente controlada por uma organização criminosa em Roraima. Lembremos da “Gravata”, a advogada do crime, seus elos caminham pela Ca$a Legi$lativa. Até nossa câmara de vereadores possui parlamentares investigados. No restante do país vemos essas organizações lavarem sua grana ilegal fornecendo serviços ao Estado brasileiro. Aqui em Roraima com a ampliação da privatização de serviços públicos como anda a participação econômica destes criminosos vendendo serviços ao Estado? Não sabemos. O que sabemos é que cada vez mais milícias compostas por policiais prestam serviços a essas organizações. Felizmente, ontem, tivemos no mínimo 5 membros da força de segurança presos pela prática de homicídio. O setor de inteligência de nossa polícia civil deve ser fortalecido para combater esses crimes, caso contrário caminharemos para ser um narcoestado.
IPER
As vísceras das composições políticas em torno dos cargos roraimenses surgem de vez em quando. A mais nova delas é a demissão da presidente do IPER, filha de um ex-conselheiro do TCE, órgão responsável pela análise das contas do governador. Já a vice-presidente é esposa de um prestigiado desembargador do tribunal de justiça, órgão responsável por julgar ações contra o governador. Enfim, assim se constrói a administração pública em Pindorama, especialmente nas terras de Makunai’mî. Quantos são os outros membros dessas instituições com poder de decisão que possuem parentes e aderentes em cargos de gerenciamento no Estado? A prática em si não é ilegal, mas, consiste em uma perspectiva de vulnerabilidade enorme quando quem deve fiscalizar e punir possui parentes ocupando cargos de alta remuneração no governo.
Banco Central
A inércia do BC em conter a alta do dólar pode ser encarada como uma clara ação de conspiração de Campos Neto. Todos os demais indicadores brasileiros estão bons. O emprego cai, os investimentos aumentam, as indústrias ampliaram investimentos, novos mercados para exportação se abriram e a inflação tá controlada. No entanto, os juros continuam a drenar recursos do bolso do povo para um punhado de especuladores e banqueiros. Agora, com o aumento do dólar internacionalmente, em virtude de declarações de uma das diretoras do BC de lá, o presidente do BC daqui aposta em uma crise cambial para desestabilizar o governo, tanto que apesar do crescimento exponencial da moeda americana, o BC não realizou nenhum leilão para conter a alta. Isso demonstra que a dita autonomia consiste em um risco para nosso povo que na prática é quem sofre com a atuação política de Campos Neto para prejudicar o governo de Lula.
CELAC Social
Entre os dias 27 e 29 de junho em Tegucigalpa, capital de Honduras, foi realizado o segundo encontro da CELAC Social, envolvendo cerca de 400 organizações sociais da América Latina e do Caribe. A declaração final aponta caminhos na defesa da democracia e dos direitos dos povos. O documento denuncia a ingerência imperialista dos EUA na região ao denunciar que as intervenções recrudescem ao passo que o país perde protagonismo mundial, reacendendo os ditames contidos na doutrina Monroe. Um dos pontos centrais consiste na desmilitarização da região, mantida pelos EUA e pela OTAN.
Cobram ainda a integração regional dos povos na luta contra a extrema-direita que cresce e trabalha num projeto neoliberal de ataques a direitos sociais conquistados pelos povos. Acusam abertamente que a onda migratória é fruto do modelo econômico capitalista selvagem que impõe ao povo desemprego, violência, desigualdade e pobreza, especialmente em virtude da atuação das multinacionais que preconizam o extrativismo e o estabelecimento de uma economia primária. O documento defende abertamente o direito a imigração como um direito social dos povos da América Latina.
Para combater a apropriação dos bens comuns da natureza e da biodiversidade e a vulnerabilidade impostas pelos cortes de direitos trabalhistas e ataques à autonomia das mulheres, o documento defende uma agenda regional baseada numa reforma agrária com justiça social, ambiental e de gênero. A produção local e soberana são estratégias no caminho da independência que se junta ao fomento à educação e a formação do povo, estratégias fundamentais para superar a exploração imposta pelo imperialismo.
O combate à evasão fiscal é uma das propostas do documento, exemplo claro vivemos no Brasil com os juros reais de 7% estabelecidos pela taxa Selic que penaliza a classe trabalhadora com a transferência da riqueza do povo para mãos de especuladores financeiros e banqueiros. Uma justiça tributária que cobre mais de quem tem mais é um dos caminhos apontados pelo documento final do encontro. A soberania popular fundamentada numa proposta de socialismo democrático é defendida pelos participantes.
Bom dia, com alegria.
Fábio Almeida
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